[crepúsculo, luiz antônio gusmão] Olha pela estreita janela, a mesma coisa, o telhado e o sol, a moldura retangular. Está cansado desta vista, desta vida, para quê? Do pó viemos, ao pó voltaremos, o adormecer e a noite escura.
Sua rotina mudara muito, a mansidão dos dias ao quarto que virou escritório, o filme, as entrevistas, todos querendo saber como havia feito tudo aquilo. E dizer que tudo começou com Os livros. Havia se acostumado com este novo ritmo, o trabalho e a companhia dos outros, mas ainda continuava alguém à parte, a solidão no meio da multidão de outros como ele, a incompreensão... jamais se imaginara como uma celebridade, como homem de negócios.
Nem por isso deixou de hesitar quando abriram as trancas da porta para dizer-lhe que estava na hora. Finalmente, o abandono de tudo isto, desperdiçara seus dias de sol, mudara apenas no entardecer.
Não havia sido fácil chegar até aqui, mexera muitos pauzinhos, mas demorara tanto... sentado à beira do penhasco, observando o céu tingido, outro dia não pode estar longe. Sorri com a ironia do momento, por que esperar para ver um novo sol? Crer na Bíblia e redimir seu comportamento não mudara as abominações que cometera, qual será a extensão do perdão paterno? Pela vontade e não por injeção letal partirá, e enquanto cai pelo abismo, com um sorriso desafiador no rosto, imagina quantos realmente entenderão a metáfora do crepúsculo.
(Pedro de Caldas Gomes)