11.11.06

Umbra mortis 2

[Living and Dying, Dave Lawrence]
No meio da noite, olha à sua volta. Meu Deus, o que é essa torre imensa e negra que desponta? A velha torre que sempre ficara confinada no fundo de sua alma quando rapaz. Porém, há pouco, no turbilhão, esquecera-se completamente da terrível torre, a velocidade o abismo haviam-no feito esquecer-se da existência da inexorável imensa torre negra. Como pudera esquecer-se uma coisa tão importante, a mais importante de todas? Lá estava ela novamente, erguendo-se terrível e misteriosa como sempre, ou melhor, até parecia maior e mais próxima. Sim, o amor o fizera esquecer-se completamente de que a morte existia. Durante quase dois anos não pensara nela uma só vez, parecia uma fábula, logo ele, que sempre a sentira obstinadamente em seu sangue. Tamanha era a força do amor. E agora de repente ela reaparecia à sua frente, dominava a ele a casa o bairro a cidade o mundo com a sua sombra e avançava lentamente.
Ela, no entanto, entregue ao sono, inconsciente do mal que fez e que fará, balança-se sob os telhados os postigos os terraços os campanários de Milão, é uma coisinha jovem miúda e nua, é um macio e branco grão suspenso é um polvilho de carne, ou de alma talvez, levando dentro de si um sonho adorado e impossível. Através da bruma a luz avermelhada dos lampiões ainda acesos iluminava-a suavemente fazendo-a resplandecer com piedade e mistério. É a sua hora, sem que ela saiba chegou para Laide a grande hora da sua vida e talvez amanhã tudo será como antes e recomeçará a maldade e a vergonha, mas por enquanto, por um instante que seja, ela está acima de todos, é a coisa mais linda, preciosa e importante da Terra. Mas a cidade dormia, as ruas estavam desertas, e ninguém, nem mesmo ele, levantará os olhos para olhá-la.
[Dino Buzzati, Um amor]

4.11.06

Heart of Darkness

[Night Escapes 1, Pedro de Caldas Gomes]
respiro o silêncio
da noite mais forte
a noite em seu ventre
de amor e de morte
[luiz antônio gusmão]