24.2.06

O desejo é negro

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O amor em visita [trecho]
Herberto Helder
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Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
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Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas -
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele - imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

21.2.06

Fresta de um momento

[Fresta na Face, Pedro Gomes]



para k., ao acordar

descubro em seu rosto o segredo dos dias
passados à sombra lenta das horas
entre o fim dos sonhos e o despertar para a vida
- sua imagem nítida nos olhos abertos pela aurora

[luiz antônio gusmão]

16.2.06

Sombras e Silêncio

[Sombras na Janela, Pedro de Caldas Gomes]

acabo mais um dia no cego julgamento
de decisões adiadas, mais fortes que o tempo

dentro desta casa, quebrando palavras

entre as sombras e o silêncio

[luiz antônio gusmão]

15.2.06

Tough choices

[puoi correre..., stencilrevolution.com]


A) "Evito pensar para não me tornar socialmente perigoso."

B) "Vender a alma não é nada. Difícil é aplicar o dinheiro depois."

C) "Poupe ao menos o meu senso de justiça, ele é só uma criança!"

2.2.06

Atenção, pequeno gafanhoto...

[kimono no varal, luiz antônio gusmão]


"Pois obter cem vitórias em cem batalhas não representa o máximo da habilidade. O máximo da habilidade é subjugar o inimigo sem lutar". (SunZi)

*

Um grande rei que empregava muitos sábios sentiu-se frustrado com suas riquezas. E um país vizinho, um país mais poderoso que o seu, estava se preparando para atacar. O rei estava com medo - da morte, da derrota, do desespero, da velhice. Assim, chamou seus sábios e lhes disse: "Não sei porquê, mas preciso encontrar um certo anel... aquele que me fará feliz quando estiver infeliz, e ao mesmo tempo, se estriver feliz e olhar para ele, tornar-me-ei triste."
Os sábios se consultaram, mas não puderam chegar a conclusão alguma. Finalmente foram ter com um místico sufi e pediram seu conselho. O sufi apenas tirou o anel de seu dedo e lhes entregou, dizendo: Há uma condição. Dê ao rei, mas diga-lhe que só olhe sob a pedra quando tudo estiver perdido, quando a confusão for total, a agonia completa e ele estiver absolutamente desamparado. De outra forma perderá a mensagem."
O rei obedeceu. Seu país estava perdido, ele estava fugindo de seu reino para salvar sua vida. O inimigo o estava seguindo, ele podia ouvir os cavalos... e seu cavalo morreu; então ele correu a pé... e chegou a um beco sem saída. Havia apenas um abismo.
No último instante lembrou-se do anel. Abriu-o, olhou atrás da pedra, e lá estava a mensagem. Ela era: "Isto também Passará".

(Estória sufi contada por Osho)